Assisti ao filme '127 horas' com receio que a cena da amputação do braço, filmada com realismo, não faria bem para o meu estômago. Mas não foi o corte que me deixou pensativa, e sim a amputação.
Penso que o corte faz parte da solução, e não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extrema, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa.
Lógico que é improvável que o que aconteceu no filme aconteça conosco também. Mas metaforicamente, em muitos momentos da vida conhecemos experiências de ficarmos com um pedaço de nós aprisionado, imóvel, apodrecendo, e impedindo a continuidade da vida. Provavelmente todos nós temos uma grande rocha para mover, e não conseguindo movê-la somos obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.
Estou falando de amores paralisantes, profissões que não dão certo, laços que tivemos que abandonar, traumas que causaram um vazio. As mutilações escolhidas, o toco de braço que temos que deixar para trás afim de começarmos uma nova vida. De tudo que é nosso, mas que tem que deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física também, já que a insatisfação é algo que debilita.
Às vezes o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho machuca, dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. Que a parir dali a vida começará com uma ausência.
Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer para salvar-nos. 127 horas, 720 horas, 8.640 horas que se transformam em anos.
Acho que todos temos um cânion pelo qual nos sentimos atraídos e do qual precisamos escapar para continuar vivendo.
*Música: Legião - Há Tempos